Sobre o design inteligente
Publiquei esse texto despretensiosamente no Facebook em 2018. O objetivo era apenas me posicionar da maneira mais sucinta possível sobre o mérito do design inteligente e sua relação com a fé cristã. Desde então a substância de minha posição não mudou, de forma que decidi manter o texto como estava, ainda que eu tenha uma ou outra ideia para melhorá-lo. De qualquer modo, o principal defeito desse texto é sua concisão, e sem dúvida haveria muito mais a ser dito.
Por eu fazer críticas frequentes aos defensores da teoria da evolução, sobretudo a pensadores cristãos que a endossam, há quem pense que sou um apoiador irrestrito do design inteligente. Essa impressão é reforçada pelo fato de que evolucionistas que criticam o DI quase sempre o fazem pelos motivos errados e com pouco conhecimento do que criticam, de modo que me vejo frequentemente na obrigação de defendê-lo. Isso não é prova de simpatia; defendo até o diabo se me parecer que o estão acusando de algo que ele não fez. Não obstante, é fato que o endosso em alguma medida, e creio que seria interessante tentar esclarecer em poucas palavras o meu posicionamento a respeito.
1. Considero correta e pertinente a tese central do DI, bem resumida no teorema de Dembski sobre a informação complexa especificada: há limites para o que processos estocásticos podem fazer, e isso é cientificamente defensável; ou seja, há evidências científicas de ação inteligente na natureza, sobretudo no domínio biológico, em um sentido não abarcado por nenhum evolucionismo (teísta ou qualquer outro).
2. Essa ideia e alguns de seus desdobramentos já estavam, de certa forma, antecipados na obra dos criacionistas mais antigos, e isso é parte do motivo pelo qual muita gente vê o DI como um criacionismo recauchutado ou disfarçado. (A outra parte do motivo está na má fé e na falta de sutileza de muitos de seus críticos, e mesmo de alguns defensores.) Contudo, eu diria que, em média, os proponentes do DI a defendem com maior competência técnica, sensatez e parcimônia.
3. Tendo dificuldades de discutir no plano da evidência científica, os críticos evolucionistas com frequência tentam levar a discussão para o terreno da filosofia da ciência, buscando desqualificar a legitimidade científica do DI com argumentos filosóficos ou metodológicos que buscam uma definição de ciência que o exclua de tão sublime empreendimento. Não acho essa discussão de todo vazia; há, de fato, diferentes ideias sobre ciência implícitas nas abordagens do DI e do evolucionismo. Porém, esse é um fenômeno extremamente comum na história da ciência, desde seus primórdios: partidários de teorias rivais defendendo não só que sua teoria é melhor, mas também que é a única admissível, pois a outra é pseudocientífica. Esse é um problema reconhecido e muito discutido tanto na historiografia quanto na filosofia da ciência, e apelar a esse expediente para desqualificar o DI, como se fosse um caso especialíssimo, é apenas um artifício retórico destinado a conceder a um grupo o monopólio do direito de definir o que é ciência.
4. Acredito que o DI pode se enquadrar no conceito de ciência aceito no âmbito secular com muito mais facilidade, isto é, com adaptações muito mais leves que qualquer criacionismo. Isso ocorre tanto pela falta de interesse teológico do DI (embora seus defensores pessoalmente possam tê-lo, assim como seus críticos evolucionistas) quanto por ser extremamente específico em suas afirmações. As teorias criacionistas requerem não só harmonização com textos bíblicos — transcendendo, assim, o escopo das ciências naturais — , mas também, com frequência, reinterpretações mais ou menos radicais da evidência científica disponível.
5. O DI pretende demonstrar uma afirmação muito específica (item 1), e por isso mesmo pode ser enquadrado em muitos esquemas interpretativos mais amplos. Tanto é assim que entre seus defensores figuram criacionistas da Terra jovem (Paul Nelson), criacionistas da Terra antiga (Phillip Johnson), evolucionistas teístas (Michael Behe) e até ateus e agnósticos (Bradley Monton). Isso prova que seus críticos mais superficiais estão errados: não se trata de uma catequese cristã fundamentalista disfarçada de ciência. Mas prova também que o DI, por sua extrema especificidade, não pode ser um candidato sério a uma visão abrangente da ciência e da natureza; pode ser, no máximo, um item nessa visão. Decorre daí que alguns cristãos o colocam em uma posição indevida, que caberia melhor aos criacionismos, embora mesmo esses não possam dar conta de um objetivo tão amplo.
6. A veracidade do item 5 prova mais uma coisa importantíssima: que o DI se encaixa muito bem, quase tanto quanto o próprio evolucionismo, em um ambiente secularista. É perfeitamente possível defendê-lo e estar ainda a anos-luz de uma visão radicalmente cristã do que quer que seja.