Top ten 2023
5 min readDec 31, 2023
Esse ano a quantidade de livros lidos foi menor do que costumava ser. Por isso, achei que seria mais fácil escolher dez para esta lista. Não foi. Em termos de qualidade, a concorrência foi forte. Mas, de algum modo, consegui fazer a seleção. Sem mais delongas, apresento os livros na ordem em que os li, como tenho feito todos os anos:
- Daniel: introdução e comentário, de Joyce G. Baldwin (São Paulo: Vida Nova, 1983). O melhor estudo que pude empreender até agora desse profeta bíblico foi guiado por uma brilhante teóloga britânica. Livro pertencente à famosa Série Cultura Bíblica, ou “série das bolinhas”, para os íntimos. A leitura me impactou muito pelo que aprendi sobre o contexto histórico e cultural do profeta e também pelas duras lições sobre o preço elevado cobrado pelo desempenho de sua vocação.
- Mozart: sociologia de um gênio, de Norbert Elias (Rio de Janeiro: Zahar, 1994). Meu primeiro contato com esse importante sociólogo alemão se deu, por indicação da minha esposa, nessa obra encantadora, com tema e personagem igualmente fascinantes. Livro muito perspicaz, belamente escrito e repleto de humanidade sobre a tragédia da vida desse gênio pré-romântico.
- Filosofia bíblica: a origem e os aspectos distintivos da abordagem filosófica hebraica, de Dru Johnson (Rio de Janeiro: Thomas Nelson, 2022). Traduzido pelo meu amigo Igor Sabino, esse trabalho brilhante, combinando teologia, filosofia e estudos culturais do Antigo Oriente Próximo, se levanta contra um velho consenso sobre o monopólio filosófico dos gregos e expande nossa percepção sobre a importância do legado cultural judaico. Erudito e bem-humorado. Considero Johnson uma das minhas grandes descobertas dos últimos anos.
- História das crenças e das ideias religiosas, de Mircea Eliade (Rio de Janeiro: Zahar), em três volumes: Da idade da pedra aos mistérios de Elêusis (2010), De Gautama Buda ao triunfo do cristianismo (2011) e De Maomé à idade das reformas (2011). Desta vez um velho conhecido, provavelmente o mais importante cientista das religiões do século XX, me conduziu por um panorama já clássico e deveras impressionante sobre milênios de religiosidade humana. Na verdade, eu já havia iniciado a série antes, e apenas a concluí neste ano. Nunca me arrependo de dedicar atenção a esse grande filho da Romênia. Gosto de seu jeito de escrever, sua sensibilidade, poder de síntese e atenção a detalhes.
- Domínio: o cristianismo e a criação da mentalidade ocidental, de Tom Holland (Rio de Janeiro: Record, 2022). O autor não deve ser confundido com o ator homônimo dos filmes do Homem-Aranha. É um historiador britânico, especialista em história romana, que, sem ser cristão, escreveu esse panorama da história do cristianismo para mostrar a influência tremenda e permanente (apesar de todas as advertências conservadoras) da fé cristã sobre a cultura ocidental. É uma leitura cativante, que dá muito em que pensar. A melhor qualidade do autor, ao lado do talento literário, é sua capacidade de entender de fato todo tipo de gente, algo muito importante para quem vai cobrir dois milênios de tretas.
- The presence of the past: morphic resonance and the habits of nature [A presença do passado: a ressonância mórfica e os hábitos da natureza], de Rupert Sheldrake (Londres: Icon Books, 2011). Foi meu primeiro contato com esse biólogo heterodoxo inglês, amplamente odiado como pseudocientista. De fato ele tem um grande número de ideias bem “fora da caixa”, pra dizer o mínimo. Nesse livro ele expõe e defende sua teoria da ressonância mórfica e critica o próprio conceito tradicional de “leis da natureza”. Alguns de seus argumentos são melhores que outros, e não achei sua tese geral convincente no conjunto, mas concluí a leitura com um viveiro de pulgas (a mais) atrás da orelha. O autor tem talento filosófico e cultura geral muito superiores às de quase todos os cientistas, e me pareceu parcimonioso e honesto em sua exposição. Sou contra julgar alguém com base apenas na esquisitice de suas opiniões.
- A esperança de Pandora: ensaios sobre a realidade dos estudos científicos, de Bruno Latour (São Paulo: Unesp, 2017). O antropólogo francês é outro velho conhecido, mas esse livro, embora não seja de leitura fácil, é a exposição mais clara e abrangente que já encontrei de suas visões bastante anticonvencionais sobre a ciência moderna e questões epistemológicas, sociológicas, metafísicas, éticas e políticas subjacentes. Escrito com elegância, bom humor e plena consciência da enormidade da revolução conceitual que está propondo. Totalmente pertinente, até quando está errado, e esse é um dos melhores elogios que podem ser feitos a um intelectual.
- Jó: introdução e comentário, de Francis I. Andersen (São Paulo: Vida Nova, 1984). Outro da “série das bolinhas”. Acompanhando um grupo de estudos sobre Jó na minha igreja, neste segundo semestre fiz meus estudos pessoais mais aprofundados sobre esse riquíssimo livro da Bíblia. Essa foi a melhor obra sobre Jó que li, e fui muito impactado pelas preciosas lições sobre a natureza do pecado e da integridade em situações de sofrimento. O teólogo australiano autor do comentário ajudou muito com esclarecimentos sobre as dificuldades linguísticas e hermenêuticas envolvidas e, mais que isso, trouxe muita luz com sua maturidade espiritual e discussões perspicazes sobre erros interpretativos comuns.
- O refúgio secreto, de Cornelia (Corrie) Ten Boom (Curitiba: Pão Diário, 2016). Quando minha esposa decidiu incluir essa obra na lista de seu Clube do Livro, decidi que não podia mais adiar a leitura desse clássico. Como muitos crentes, eu conhecia as linhas gerais da história dessa irmã holandesa que ajudou a esconder judeus e outros perseguidos pelo nazismo. E já li muitas histórias desse tipo na vida. Por isso, eu não fui capaz de prever o quanto essa leitura poderia me afetar. Foi muito emocionante e profundamente encorajador. Além disso, como muitas vezes já me aconteceu, foi a leitura certa na hora certa. O Deus que faz tanto bem no meio de tanto mal é o mesmo, na vida de Corrie e na nossa.
- Avicena: a viagem da alma — uma leitura gnóstico-hermética de Hayy ibn Yaqzan, de Rosalie Helena de Souza Pereira (São Paulo: Perspectiva, 2010). Para finalizar bem o ano, um trabalho acadêmico de primeira qualidade sobre uma das figuras mais influentes do mundo islâmico medieval. Eu já conhecia outros trabalhos da autora, mas ainda assim esse superou minhas expectativas. Aprendi muito sobre a recepção e elaboração da filosofia grega pelos muçulmanos, sobre as controvérsias acadêmicas contemporâneas acerca do melhor entendimento de Avicena, e também sobre o desenvolvimento histórico de conceitos esotéricos e gnósticos desde o paganismo pré-cristão até o xiismo e sufismo, já dentro do islã. Também com miríades de observações marginais interessantes e farta bibliografia para futuros aprofundamentos.